Publicado em 23/04/2025 às 14:15, Atualizado em 23/04/2025 às 18:21
"Megafone ideológico bancado pelo pagador de impostos" disse Deputado
Menos de quatro meses se passaram em 2025, e o Ministério da Cultura já autorizou quase R$ 2 bilhões em captação de recursos via Lei Rouanet.
A cifra impressiona, mas o que salta aos olhos é o destino desigual desses valores: dez megaprojetos receberam autorização para captar mais de R$ 670 milhões — e apenas um deles, da área de culinária, teria o direito de levantar absurdos R$ 530 milhões. O projeto acabou arquivado, não sem antes levantar dúvidas sobre a real função da lei: seria incentivo à cultura ou financiamento de reality show gourmet?
A concentração de recursos em poucos projetos — geralmente ligados a grandes empresas, artistas famosos ou produtores do eixo Rio-São Paulo — reforça a lógica de exclusão cultural que a própria Rouanet foi criada para combater. A democratização do acesso ao incentivo fiscal ainda parece um sonho distante para artistas e coletivos periféricos, especialmente das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde faltam apoio técnico e estrutura para competir com gigantes do setor.
A situação reacende críticas que vêm tanto da base quanto da oposição. O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) classificou a Rouanet como um "megafone ideológico bancado pelo pagador de impostos" — crítica previsível, mas que encontra eco em parte da população, especialmente quando comparada à situação de instituições públicas em crise.
Enquanto a cultura gourmetizada levanta meio bilhão de reais, os Correios, um dos serviços públicos mais antigos e simbólicos do país, enfrentam uma crise financeira sem precedentes. Com operações reduzidas, cortes de pessoal e rumores de nova tentativa de privatização, a estatal agoniza à margem de um governo que parece priorizar espetáculos culturais de alto orçamento em detrimento de serviços básicos à população.
Desde sua criação, em 1991, a Lei Rouanet já autorizou mais de R$ 31 bilhões em captação. Em 1993, o valor total autorizado mal passava dos R$ 21 mil. Hoje, um único projeto pode pedir mais do que o orçamento anual de cidades inteiras — e sem que o impacto social desse recurso esteja, necessariamente, claro para quem financia: o cidadão comum, via renúncia fiscal.
O crescimento em 2025 também é vertiginoso: o valor já autorizado é 85% maior do que no mesmo período de 2023 e quase três vezes maior que em 2022. Apesar de o primeiro trimestre representar historicamente apenas 8% da captação anual, a tendência aponta para um 2025 com recordes batidos — e, talvez, ainda mais distorções.
Enquanto o governo busca ampliar sua marca cultural, falta debate sério sobre justiça na distribuição dos recursos. Não se trata de atacar a cultura, mas de garantir que ela seja de fato plural, acessível e representativa do Brasil real.
Como diria Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura e defensor da democratização do setor: “O que é bom para todos precisa chegar a todos.”
Por ora, continua chegando a poucos.